A participação de cooperativas em licitação: Possibilidade ou impossibilidade?

             Uma discussão que já vem há muito tempo é sobre a possibilidade ou não da vedação à participação de cooperativas em licitação. A resposta é, depende. Mas, por que depende? Por que, como iremos ver, há situações em que essa vedação poderá ocorrer.

     Inicialmente, cumpre esclarecer que, conforme consta no art. 3º, §1º, inc. I, da Lei 8.666/93, como regra geral, é proibido estabelecer nos editais qualquer cláusula que restrinja ou fruste o caráter competitivo da licitação, inclusive no caso de sociedades cooperativas. Percebe-se que houve ênfase na não proibição da participação de cooperativas. O Projeto de Lei da nova lei de licitação, PL 4253/2020, no artigo 9º “a” mantém essa vedação e apresenta no artigo 16 as hipóteses em que os profissionais organizados sob a forma de cooperativa poderão participar de licitação.

     Também, na Lei 12.690/2012, que trata da organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho, o artigo 10 § 2º estabelece que: “A Cooperativa de Trabalho não poderá ser impedida de participar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social”. Aqui na referida lei há o requisito de que o objeto da licitação tenha por finalidade as mesmas do objeto social da cooperativa.

     Esse também é o entendimento do renomado jurista Marçal Justen Filho (2012) quando preceitua:

Essas considerações permitem afirmar que é possível e viável a participação de cooperativa em licitação quando o objeto licitado se enquadra na atividade direta e específica para a qual a cooperativa foi constituída. Se, porém, a execução do objeto contratual escapar à dimensão do ‘objeto social’ da cooperativa ou caracterizar atividade especulativa, haverá atuação irregular da cooperativa.

 

     Então, como regra geral, é possível a participação de cooperativas em licitação desde que seu objeto social seja compatível com o objeto licitado. Tal cuidado é necessário para que não ocorra a contratação de cooperativas fraudulentas cujo objetivo de constituição foi apenas descaracterizar um contrato de trabalho para burlar o artigo 3º da CLT no tocante aos direitos trabalhistas dos executores do serviço contratado fazendo-se passar por cooperados quando, na verdade, são empregados da cooperativa com vínculo de subordinação.

      Isso tornam precários os direitos trabalhistas dos cooperados que precisam recorrer ao Judiciário para terem cumpridos os seus direitos. Essa descaracterização do contrato de trabalho tornou-se mais visada depois da inclusão do parágrafo único ao artigo 442 da CLT que estabelece que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

     Aliás, o artigo 5º da mencionada Lei 12.690/2012 estabelece que “a Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada”. Essa lei também especifica no artigo 7º quais os direitos que os sócios devem ter.

     A regra geral é a possibilidade de participação em licitação, mas no caso de haver relação de subordinação entre o obreiro e o fornecedor do serviço, no caso, a cooperativa, habitualidade e pessoalidade, não será permitida a participação e, nesse caso, o instrumento convocatório deverá estabelecer a vedação, justificando.

     Nesse sentido, o Acórdão nº 1815/2003 – Plenário – TCU:

Defina, quando da realização de licitações para contratação de mão-de-obra terceirizável, a forma pela qual o labor será executado com supedâneo em contratações anteriores. Se ficar patente que essas atividades ocorrem, no mais das vezes, na presença do vínculo de subordinação entre o trabalhador e o fornecedor de serviços, deve o edital ser expresso (e fundamentado) quanto a esse ponto, o que autorizará a vedação à participação de cooperativas de trabalho, ou de mão-de-obra.

     Em julho de 2012 foi editada a Súmula nº 281, TCU, aprovada pelo Acórdão TCU 1.789/2012 – Plenário, especificando:

É vedada a participação de cooperativas em licitação quando, pela natureza do serviço ou pelo modo como é usualmente executado no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem como de pessoalidade e habitualidade.

 

     Em virtude das constantes fraudes nos seus contratos administrativos e para se evitar fraudes futuras, a União firmou um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho, nos autos do processo 01082-2002-020-10-00-0 20ª Vara do Trabalho de Brasília, comprometendo-se a não contratar cooperativas de mão de obra quando houvesse subordinação em relação ao tomador ou em relação ao prestador de serviços, especificamente em relação aos seguintes serviços:

a) Serviços de limpeza; b) Serviços de conservação; c) Serviços de segurança, de vigilância e de portaria; d) Serviços de recepção; e) Serviços de copeiragem; f) Serviços de reprografia; g) Serviços de telefonia; h) Serviços de manutenção de prédios, de equipamentos, de veículos e de instalações; i) Serviços de secretariado e secretariado executivo; j) Serviços de auxiliar de escritório; k) Serviços de auxiliar administrativo; l) Serviços de office boy (contínuo); m) Serviços de digitação; n) Serviços de assessoria de imprensa e de relações públicas; o) Serviços de motorista, no caso de os veículos serem fornecidos pelo próprio órgão licitante; p) Serviços de ascensorista; q) Serviços de enfermagem; e r) Serviços de agentes comunitários de saúde.

 

     Referido termo de compromisso foi firmado com o intuito de proteger o erário e evitar uma futura responsabilização subsidiária, consoante a Súmula 331 do TST, que estabelece ser a responsabilidade subsidiária da Administração em relação às verbas trabalhistas quando houver falha na fiscalização.

     Diante do exposto, como regra, é possível a participação de cooperativas em licitações, sendo que haverá restrição a isso, no caso das cooperativas de trabalho, se verificada hipótese de possível relação de subordinação no serviço a ser prestado (entre a cooperativa e cooperados ou entre esses e a Administração) com o fim de se evitar responsabilizações futuras para a Administração contratante que poder vir a responder subsidiariamente pelas verbas trabalhistas requeridas pelos prestadores de serviço (Súmula 331 do TST).

     Ressalte-se a importância da verificação dessa subordinação na fase interna da licitação com base em contratações anteriores e a necessidade de se justificar, no processo, o porquê da vedação à participação de cooperativas, pois comumente se veem casos nos quais há restrições infundadas em editais com base em possível presunção de subordinação analisada de forma superficial.

     No entanto, esse entendimento de possibilidade de vedação de participação da Súmula 281 do TCU poderá sofrer alteração em breve tendo em vista que em 2019 foi editado o Acórdão 2.463/2019 – TCU – 1ª Câmara, do Relator Bruno Dantas que entendeu indevida a vedação com base na suposição de subordinação e a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), em agosto de 2020, elaborou um Estudo técnico da Sumula 281, solicitando a sua reversão ao próprio ministro Bruno Dantas com base no acórdão 2.463/2019. Nessa oportunidade ressaltou a importância das cooperativas em relação à geração de trabalho e renda aos cooperados. Aguardemos as “cenas dos próximos capítulos”.

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Gislany Gomes Ferreira
OAB 186.553

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