Diligência em Licitações Públicas

  1. Instrumentalidade da licitação, vedação ao formalismo exacerbado e realização de diligência.


       Uma das mais relevantes características das licitações públicas é a instrumentalidade. A licitação pública possui natureza instrumental, não é um fim em si mesmo. Isso quer dizer que a licitação pública não pode ser encarada como uma gincana de apresentação de documentos, em que formalidades sobrepõem-se ao conteúdo do que está sendo pedido.

      Assim, todas as exigências impostas aos licitantes em procedimentos licitatórios (apresentação de documentos, preenchimento de requisitos) devem estar inexoravelmente relacionadas com a busca da proposta mais vantajosa. O procedimento, a forma, devem estar à serviço dessa função. Bem por isso, considera-se que a inabilitação de licitante ou a desclassificação da sua proposta por razões que fujam a essa regra são ofensivas ao princípio da vedação ao formalismo exacerbado.

      Compreender a licitação pública como um instrumento para que a Administração Pública obtenha, dentre os candidatos habilitados a executar determinado objeto, a proposta mais vantajosa, é essencial para entender adequadamente a aplicabilidade dos instrumentos jurídicos a disposição do gestor público no caso concreto. Dentre esses instrumentos, figura a realização de diligências.

  1. Fundamento legal das diligências: quando e com que objetivo devem ser promovidas pela Administração?

A promoção de diligências está prevista no § 3º do artigo 43 da Lei Federal nº 8.666/93, a Lei Geral de Licitações Públicas e Contratos Administrativos:

Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: […]

3º É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.

      Sendo assim, as diligências servem para a Comissão de Licitação – ou o Pregoeiro, uma vez que são aplicáveis em todas as modalidades licitatórias, inclusive naquelas não regidas preponderantemente pela Lei Federal nº 8.666/93, tais como o Pregão – esclarecer e complementar a documentação apresentada pelas licitantes, seja em que etapa da licitação se estiver (habilitação ou proposta).

      Às vezes, documentos apresentados pelos licitantes podem trazer informações não suficientemente claras, pairando dúvidas sobre o preenchimento, ou não, por sua parte, dos requisitos exigidos pelo edital. Nessa situação, cabe a realização de diligência para esclarecer a situação. Outras vezes, o documento exigido pelo edital e trazido pela licitante apresenta alguma falha, ou aparenta comprovar apenas parcialmente o preenchimento de determinado requisito, cabendo, nesse caso, igualmente, a promoção de diligência para complementar a instrução documental.

      Nessas situações, considerando a instrumentalidade da licitação e a vedação ao formalismo exacerbado, em vez de inabilitar ou desclassificar a licitante, deve-se realizar diligência para esclarecer a dúvida, complementar a documentação, ou suprir a falha. Esse é o entendimento do Tribunal de Contas da União:

      É irregular a desclassificação de proposta vantajosa à Administração por erro de baixa materialidade que possa ser sanado mediante diligência, por afrontar o interesse público. (TCU. Acórdão 2.239/2018 – Plenário. Relator: Min. Ana Arraes. Data da sessão: 26/09/2018).

      Na condução de licitações, falhas sanáveis, meramente formais, identificadas na  documentação das proponentes não devem levar necessariamente à inabilitação ou à desclassificação, cabendo à comissão de licitação promover as diligências destinadas a esclarecer dúvidas ou complementar o processamento do certame (art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993). (TCU. Acórdão 3.340/2015 – Plenário. Relator: Min. Bruno Dantas. Data da sessão: 09/12/2015).

      Registre-se que, ao contrário do que pode parecer, a realização da diligência sempre se dá por interesse da Administração Pública, e não necessariamente da licitante. Isso porque interessa à Administração certificar-se do cumprimento material, não apenas formal, dos requisitos exigidos pelo edital das licitantes, promovendo, assim, maior competitividade qualificada.

      Por outro lado, deve-se esclarecer não ser possível utilizar de diligência para suprir a falta de apresentação de documentos exigidos pelo edital por parte dos licitantes. Assim, nos casos em que a licitante, deliberadamente ou por equívoco, deixar de juntar documento exigido pelo edital, não é possível que a comissão processante faculte a juntada tardia por meio de realização de diligência, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.

  1. Diligência como poder-dever da Administração Pública

    A leitura do § 3º do artigo 43 pode passar a impressão de que a realização da diligência configura mera faculdade da autoridade administrativa, que possuiria discricionariedade em decidir por realizá-la, ou não, conforme o seu juízo de conveniência e oportunidade. Essa não é a correta compreensão sobre o tema.

Segundo Marçal Justen Filho, a

realização da diligência não é uma simples “faculdade” da Administração, a ser exercida segundo juízo de conveniência e oportunidade. A relevância dos interesses envolvidos conduz à configuração da diligência como um poder-dever da autoridade julgadora. Se houver dúvida ou controvérsia sobre fatos relevantes para a decisão, reputando-se insuficiente a documentação apresentada, é dever da autoridade julgadora adotar as providências apropriadas para esclarecer os fatos. Se a dúvida for sanável por meio de diligência, será obrigatória a sua realização[1].

      O entendimento do Tribunal de Contas da União é no mesmo sentido, afirmando não caber a inabilitação de licitante quando as informações faltantes puderem ser sanadas por diligência:

      Não cabe a inabilitação de licitante em razão de ausência de informações que possam ser supridas por meio de diligência, facultada pelo art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993, desde que não resulte inserção de documento novo ou afronta à isonomia entre os participantes. (TCU. Acórdão 2.873/2014 – Plenário. Relator: Min. Augusto Sherman. Data da sessão: 29/10/2014).

      Assim, nos casos em que o dever de realização da diligência não for exercido em prejuízo à licitante, essa pode interpor os recursos administrativos cabíveis ou, se necessário, levar o assunto ao judiciário.

  1. Conclusão

      Considerando o exposto, conclui-se que a realização de diligências constitui instrumento prático a serviço da compreensão do caráter instrumental e da aplicação do princípio da vedação ao formalismo exacerbado nas licitações públicas.

      Nesse sentido, a realização de diligência visando esclarecer e/ou complementar a documentação apresentada pelas licitantes constitui poder-dever da Administração, sendo que, nos casos em que não for exercido, devem as licitantes buscar fazer valer esse direito, seja administrativamente, seja perante o Poder Judiciário, preferencialmente acompanhadas de assessoria jurídica especializada.

 

Bernardo Wildi Lins
OAB/SC 34.547
Leduc Lins Advogados

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