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Uma Breve Comparação entre Compras Públicas e Privadas.
O presente artigo tem como objetivo comentar alguns aspectos sobre as normas de licitação e contratos e sua aplicação na seara pública. A mudança de visão na esfera administrativa é um processo constante, onde o Estado, gestor público, deve buscar sempre a melhoria na execução e a excelência no resultado da Administração Pública, somado à consecução dos objetivos fundamentais previstos para a República Federativa do Brasil.
A licitação pode ser conceituada como o procedimento de escolha da melhor alternativa para a celebração de um contrato realizado pela Administração Pública e baseado em critérios objetivos, isonômicos, previamente estabelecidos, públicos e fomentadores da competitividade.
Nas palavras do doutrinador Marçal Justen Filho, no livro “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2012, p.11”, conceitua-se o instituto como:
“Licitação é o procedimento administrativo destinado a selecionar, segundo critérios objetivos predeterminados, a proposta de contratação mais vantajosa para a Administração e a promover o desenvolvimento nacional sustentável, assegurando-se a ampla participação dos interessados e o seu tratamento isonômico, com observância de todos os requisitos legais exigidos.”
As normas de licitação estão previstas na Lei 8.666/93. A competência para legislar normas gerais de licitação é privativa da União, conforme artigo 22, inciso XXVII da Constituição da República Federativa do Brasil. No que tange às regras específicas, existe uma competência comum, onde todos os entes federativos podem legislar sobre matérias determinadas, desde que obedeçam às regras gerais estipuladas pela União.
Portanto, entende-se que a maioria das normas de licitação caracterizam-se como normas de caráter geral e vinculam toda a Administração Pública Federal. No entanto, em nome do Princípio Federativo, permite-se uma margem de autonomia aos demais entes, consoante artigo 23 do mesmo diploma legal.
Sabe-se que a doutrina não é uníssona em relação às características de normas gerais. Portanto, verifica-se a necessidade de fixação de critérios comuns atinentes às normas gerais, quais sejam:
-Essencialidade da norma para disciplina do instituto;
– Natureza uniformizadora das normas gerais, de forma a permitir sua utilização como standards jurídicos.
No entanto, surge a seguinte indagação: A União, no tocante às normas gerais, exerce atividade coordenadora, traçando suas diretrizes? Ou seja, sendo a Lei 8.666/93, o diploma legal destinado a regulamentar o comando constitucional referente à edição de normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cumpriu ela o seu dever? Ou seria a Lei 8.666/93 inconstitucional?
No campo jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal – STF, pode ser citado o voto do Ministro Carlos Ayres Britto em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3059/RS, na qual foi abordada a questão da invasão da competência legiferante reservada à União para produzir normas gerais. Senão vejamos:
“Pois o certo é que norma geral, em matéria de licitação, é a lei ordinária que desdobra, debulha, desata, faz render, enfim, um comando nuclearmente constitucional, de sorte a conformar novas relações jurídicas sobre o mesmo assunto. E é por esse necessário vínculo funcional com norma de lastro constitucional, seja ela um princípio, seja uma simples regra, que a norma geral de que falo é de aplicabilidade federativamente uniforme.”
É notória a dificuldade de se classificar, dentre o volume de dispositivos sobre tal matérias sancionadas pela União, quais seriam objetivamente definidos como normas gerais e quais estariam eivados do vício da inconstitucionalidade por ter ofendido a autonomia dos entes federativos. Os demais dispositivos, em tese, regulariam normas específicas, que também deveriam ser de atribuição dos demais entes federativos, uma vez que a União, a pretexto de legislar sobre normas gerais, acabou esgotando a matéria, ao tratar de todos os temas.
Sabe-se que após a redemocratização do Brasil uma nova ordem de valores foi instaurada com a Constituição de 1988. Todas as normas passaram a ser relidas à luz do Direito Constitucional, fenômeno conhecido como Neoconstitucionalismo.
Na mesma esteira do desenvolvimento, a doutrina publicista vem, modernamente, discutindo e propondo a remodelagem dos institutos do Direito Administrativo. Novas categorias jurídicas modificaram-se a partir do reexame das antigas. Nessa onda de transformações, surgiu a necessidade de revisão e foi constatada a importância de aplicar na Administração Pública uma atuação mais pragmática, com um olhar voltado para a realidade interna, no entanto, sem desconsiderar as consequências das escolhas do agente público.
Entretanto, apesar do indiscutível avanço deste processo de mutação, há segmentos de resistência que impedem a aplicação das mudanças necessárias ao desenvolvimento do País. A disciplina instituída pela Lei nº 8.666/1993 é um exemplo do que aqui se afirma.
O propósito desta lei, ao regulamentar o inciso XXI do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil e estabelecer regras e parâmetros para licitações e contratos aplicáveis a toda Administração Pública, acabou por restringir demasiadamente a atuação do bom administrador e, por outro lado, criar mecanismos de isolamento dos órgãos de controle.
Para evitar o efeito paralisante, o legislador investiu em outros regramentos na área de contratações públicas, os quais, têm contribuído para dinamizar o processo de aquisição de bens e prestação de serviços. São exemplos a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e o Decreto nº 5.450/2005 (Pregão Eletrônico), Lei 13.303/16 (Lei das Estatais) e Decreto 10.024/19 (Novo regulamento do Pregão).
Entretanto, grande parte das licitações instauradas pela Administração Pública, ainda sujeita-se à disciplina da Lei nº 8.666/93, que possui uma estrutura anterior às transformações operadas na esfera do Direito Administrativo, necessitando ser readequada aos impositivos da nova ordem de valores que conduzem o direito público atualmente.
A título ilustrativo, cita-se decisão recente do Supremo Tribunal Federal em que foi reconhecida a repercussão geral em torno da discussão sobre a viabilidade de alteração das fases do processo licitatório instituído no referido diploma. Extraiu-se da controvérsia questão constitucional, referente às competências legislativas dos entes da Federação.
O tema discutido na supramencionada ação refere-se à competência do ente federativo -Distrito Federal, para edição de normas gerais de licitação de forma diversa da prevista na Lei nº 8.666/93. Atualmente, em agosto do presente ano, foi admitido o ingresso da União no feito a título de amicus curiae a fim de dar pluralização ao debate constitucional.
No leading case, o governo do Distrito Federal questiona acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que julgou inconstitucional lei daquele ente que estabelecia ordem inversa nas fases da licitação daquela prevista pela Lei Federal nº 8.666/1993, atuando, em tese, no âmbito da competência legislativa privativa da União.
Como dito anteriormente, foi reconhecida a repercussão geral pelo Ministro do STF Luiz Fux, em 15 de março do presente ano. E o caso deu origem ao Tema 1036- “Competência Legislativa para editar norma sobre a ordem de fases do processo licitatório, à luz do art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal”.
Agora, no caso concreto, a Corte tem diante de si duas alternativas: manter a competência privativa da União para edição de normas gerais, entendendo-se que a inversão de fases é classificada como uma norma geral ou reconhecer que este tema pode ser tratado no âmbito da competência comum e, por isso, reconhecer a legitimidade dos Estados legislarem sobre a matéria de forma diversa da Lei Geral de Licitações.
Independente do que restar decidido pelo Tribunal Superior, o gestor público manterá as regras burocráticas que o impedem de avançar na busca por escolhas capazes de atingir com mais eficiência aos propósitos da sociedade.
Isto ocorre porque a Lei nº 8.666/93, que deveria se limitar a traçar parâmetros mínimos e gerais, acaba criando regras procedimentais e desconsiderando a realidade das repartições públicas, muitas dessas carentes de recursos humanos e materiais, para exercerem suas funções com eficiência.
Outrossim, o excesso burocrático ditada pelas normas leva ao engessamento da atuação administrativa, à ineficiência nas contratações e ao empoderamento desmedido dos órgãos de controle, que acabam por adentrarem na escolha administrativa. Por conseguinte, o administrador público fica impossibilitado de praticar a gestão negocial de forma mais produtiva, que busque soluções pragmáticas, a exemplo daquelas vivenciadas no setor corporativo privado que se prestam a atender aos propósitos de maneira eficiente.
Portanto, é preciso saber se a dinâmica estabelecida nas relações negociais do setor privado, com a adoção de ferramentas aplicáveis às transações econômicas privadas ou oriundas de experiências de Estados estrangeiros, poderia ser utilizada na sistemática de contratação pública brasileira, a exemplo, da utilização da “Request for Proposal”- RFP como fase de uma concorrência pública ou a utilização dos métodos de “Dispute Board”.
A título de conhecimento, traz-se à baila que a sistemática da “Request for Proposal” (RFP nº 40005/2017-00) foi utilizada pela Marinha do Brasil na escolha do consórcio “Águas Azuis” aprovado para a obtenção, por construção, das 04 (quatro) Corvetas Classe Tamandaré- CCT,. O projeto contou ainda com a participação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Empresa de Gerenciamento de Projetos Navais (EMGEPRON).
Desta maneira, observa-se uma participação cada vez maior do Estado nas relações econômicas, mediante o seu significativo poder de compra aplicado aos contratos de grande vulto. Portanto, torna-se necessário revisitar a sistemática das contratações públicas, seus mecanismos, conceitos e classificações, a exemplo das normas gerais e sua edição somente pela União.
Conclui-se que a incorporação dos mecanismos privados às contratações públicas é viável. A aplicação dos institutos acima mencionados representa um importante caminho para o desenvolvimento do novo panorama do Direito Administrativo, o qual já trouxe diversas transformações e abriu espaço para mudanças relevantes.
Espera-se que a decisão final do STF sobre o tema das normas gerais de licitação e contratos contribua para o novo panorama de desenvolvimento do Brasil. E, por fim, que a nova era de mudanças concilie a gestão da seara pública com o setor privado.
Thays Valéria Araújo de Barros.
OAB/RJ nº 136918.
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