Dispensa de licitação: Quando fazer?

Dispensa de licitação: Quando fazer?

     Conforme determina o artigo 37, XXI da Constituição Federal, a regra para contratação pela Administração de bens, serviços e obras deve ser a licitação, salvo os casos especificados na lei. Na lei geral de licitação, a lei 8.666/93, esses casos estão previstos nos artigos 17 (quando forem casos de alienação de bens pela Administração), 24 (hipóteses de dispensa de licitação) e 25 (hipóteses de inexigibilidade de licitação).

     Em relação à dispensa de licitação, o artigo 24 apresenta trinta e cinco hipóteses nas quais é possível fazer uma contratação sem o procedimento licitatório. Passaremos a analisar as principais situações, as que são comumente utilizadas no cotidiano dos órgãos públicos.

            Art. 24.  É dispensável a licitação:  

     I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente.(girfei)

     O valor, atualmente, corresponde a R$ 100.000,00 (cem mil reais), durante o estado de calamidade, ou seja, até 31/12/2020. O valor original corresponde a R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais).

     Como mencionado, pode-se contratar por dispensa neste valor nos casos de obras ou serviços que se enquadrem como de engenharia. Porém, importante ressaltar que esse valor refere-se ao período de um exercício, ou seja, durante todo o ano em que se dará a contratação, pois é muito comum a confusão que se faz no sentido de bastar a requisição estar dentro do valor autorizado que já se pode ir contratando uma obra ou um serviço, mas o valor não é por requisição. Outra coisa, não pode também haver fragmentação de despesa para que se encaixe no valor, por exemplo, não pode contratar parte de uma obra por R$ 100 mil, depois a outra parte da mesma obra por mais 100 mil, pois aí já se somariam duzentos mil reais, ultrapassando o valor possível e caracterizando fracionamento ilegal de despesa.

     II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez. (grifei)

     O valor, atualmente, corresponde a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), durante o estado de calamidade, sendo que o valor original corresponde a R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais).

     Esse valor pode ser utilizado em compras de bens ou serviços que não sejam de engenharia (por exemplo limpeza de ar condicionado, compra de materiais de expediente). Aqui também vale a mesma observação a respeito de o valor ser para o ano todo e, no caso de materiais, para o grupo todo. Por exemplo, não se pode comprar até cinquenta mil de sabão em pó, mais esse valor de detergente, pois fazem parte do grupo material de limpeza. Nesse sentido, o órgão poderá comprar até cinquenta mil reais de material de limpeza para o ano todo, senão haverá a fragmentação indevida de despesa, condenada pelos tribunais.

     O maior problema que se verifica nos órgãos que causa a fragmentação é a falta de planejamento, pois sem ele compra-se “para ontem”, não há tempo para elaborar o procedimento licitatório, sendo matéria de várias decisões do TCU, a exemplo:

“Consoante orientação do Plenário do TCU, as aquisições de produtos de mesma natureza devem ser planejadas de uma só vez, pela modalidade de licitação compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido. A ausência de planejamento e a utilização do art. 24, inc. II, da Lei nº 8.666/93 para justificar a dispensa de licitação, nesses casos, caracterizam fracionamento indevido de despesa.” (Acórdão TCU 3.412/2013 – Plenário)

     IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.

     Nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 24, discutidas acima, há um valor máximo que se deve considerar na contratação, mas do inciso III até o XXXV não existe um valor definido, sendo necessário, porém que sejam demonstrados outros requisitos.

     No caso do inciso IV, emergência ou calamidade pública, a contratação deve ser somente pelo prazo necessário para atendimento da situação emergencial ou calamitosa, o contrato só pode durar no máximo 180 dias e, como regra, não pode ser prorrogado.  Aqui, chama-se a atenção para uma situação que, infelizmente, ocorre com muita frequência nos órgãos em geral, que é a contratação com base em emergência quando na verdade o responsável pela ocorrência dela foi o próprio órgão, a chamada “emergência fabricada” e que tem ocasionado aplicação de penalidades aos gestores. A emergência a se considerar para o inciso IV é aquela advinda de um evento excepcional, não possível de ser previsto, caso fortuito ou força maior, como por exemplo a situação de pandemia pela qual o mundo todo está passando.

     Então, não é correto comprar os itens da merenda escolar com base no inciso IV se a justificativa foi não ter havido tempo para a elaboração da licitação, tendo em vista que é um fato previsto (as aulas no ano letivo) e que deveria ter havido o planejamento para a contratação. Poder-se-ia perguntar: e se a licitação foi feita, mas ficou deserta ou prejudicada, pode comprar por emergência? Ainda assim não é aconselhável, pois os órgãos de controle poderiam entender que, não obstante ter ficado deserta ou fracassada a licitação, o órgão deveria tê-la planejado com antecedência, com tempo suficiente para caso ocorressem esses eventos. Assim, percebe-se que a melhor forma de se evitar penalizações é fazer um bom planejamento das contratações do exercício no final do ano anterior ou, no máximo, no início exercício do ano seguinte.

     Inclusive, em âmbito federal existe a IN 01/2019 que dispõe sobre Plano Anual de Contratações (PAC) de bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação e comunicações no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional e sobre o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações. Apesar de a previsão ser para o âmbito federal é de grande valia também para órgãos municipais e estaduais que podem se basear nela para organizarem o seu planejamento.

“Aperfeiçoe o planejamento e programação de suas futuras licitações de maneira a evitar a ocorrência de contratações emergenciais embasadas no art. 24, inciso IV, da Lei n° 8.666/1993, e a realização de pagamentos a título de indenização, por ausência de suporte contratual”. (Acórdão 1395/2005 Segunda Câmara)

 
 “Não proceda à contratação sem licitação, alegando situações emergenciais causadas pela falta de planejamento ou de desídia”. (Acórdão 771/2005 Segunda Câmara)


     V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas.

     No caso de licitação deserta (quando não houve participantes), a Administração poderá, caso comprove a urgência da contratação, dispensar a licitação e contratar diretamente, mantendo-se as mesmas condições estabelecidas no edital da licitação (especificações do objeto, critérios de aceitabilidade da proposta e condições de habilitação dos licitantes). Nesse caso, deve obedecer aos seguintes requisitos: licitação realizada, porém deserta ou fracassada; risco de prejuízos para Administração se o processo licitatório vier a ser repetido e manutenção das condições ofertadas no ato convocatório anterior.

     Também deve-se analisar se o motivo da falta de interesse não foi ocasionado por alguma situação causada pela própria administração a exemplo de exigências descabidas no edital, preço de referência fora do de mercado, dentre outras.

     VII - quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo único do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços.

     É possível a dispensa quando, em licitação anterior, os licitantes apresentarem propostas com preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes. Se houver essa situação, antes da dispensa, deve-se facultar aos licitantes a apresentação de novas ofertas de preço ou correção das incoerências na habilitação no prazo de oito dias úteis ou dois dias úteis se for a modalidade Convite (artigo 48, § 3º, Lei 8.666/93). Nesse caso é preciso, também, que se observem todos as exigências feitas no edital para a instrução do processo de dispensa.

“Determina, no âmbito das licitações e contratações vindouras, que exija da empresa contratada por meio de dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso VII, da Lei nº 8.666/1993, a comprovação das condições de habilitação e da proposta estipuladas no edital da licitação precedente à qual a contratação direta se vincula, salvo motivo devidamente comprovado”. (Acórdão 1315/2004 Plenário)

 

 

      X – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia

 

     No caso de a Administração precisar locar um imóvel, em vez de abrir uma licitação pode fazer a locação por dispensa, desde que ele vise a atender as finalidades principais dela e que seja demonstrado que, dentre os vários imóveis disponíveis para locação, apenas aquele escolhido é que poderá atender às suas necessidades.

     XI – na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido.

     No caso do inciso XI a dispensa poderá ocorrer quando a empresa contratada não conseguir cumprir o contrato na sua totalidade, sendo que o órgão contratante poderá contratar com os demais participantes da licitação cujo contrato foi rescindido, observando-se a ordem de classificação. A dificuldade, nesse caso, é ter algum licitante que aceite a contratação, pois deve ser mantido o mesmo valor que o primeiro colocado apresentou, autorizando apenas a sua correção.

     É interessante a redação desse inciso na questão em que faculta a dispensa com os próprios participantes da licitação. A meu ver, seria muito mais fácil rescindir o contrato e celebrar um outro com o segundo colocado, no mesmo processo, pois esse participou da licitação, então, não seria uma hipótese de dispensa.

     XVII – para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia.

     Aqui não há grandes dificuldades, pois, no caso de o equipamento estar ainda na garantia é imperioso que se adquira as peças do seu fornecedor para que não se perca o direito à garantia.

     Assim, os principais casos de dispensa que ocorrem no cotidiano dos órgãos da administração pública são os acima informados. Lembrando, mais uma vez, que a regra é a licitação, sendo a dispensa uma exceção. Não se pode fazer dela a regra e, ainda que o caso concreto se amolde a um dos incisos do artigo 24, é necessária a observância de todos os requisitos exigidos para o caso concreto, sob pena de haver penalizações pelos órgãos de controle.

     E, ainda, frise-se que não é porque a contratação é por dispensa que não tem necessidade da montagem de um processo, pois ele deve ser montado sim, conforme as regras do artigo 26 da Lei 8.666/93 e respectivos incisos.

“Instrua os processos de contratação direta segundo os procedimentos estabelecidos no artigo 26,parágrafo único, da Lei 8.666/1993, de modo que sejam devidamente formalizados
os elementos requeridos pelos incisos I a III desse dispositivo por meio de expedientes específicos e devidamente destacados no processo, caracterizando a motivação do administrador para a prática dos atos e juntando-se 
justificativa de preços que demonstre, item a item, a adequação dos preços àqueles praticados no mercado local, assim como parecer jurídico conclusivo que opine inclusive sobre a adequação dos preços unitários propostos pela entidade selecionada”. (Acórdão 690/2005 Segunda Câmara).

 

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Gislany Gomes Ferreira
OAB 186.553

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