A flexibilização nas contratações trazidas pela lei 13.979/2020 e os cuidados a serem observados.

Lei 13.979/2020 e os cuidados a serem observados

     Como é sabido, o mundo passa por uma situação grave de saúde relacionada à pandemia da Covid-19, descoberta no final de dezembro de 2019, após registro de alguns casos na China. No Brasil, conforme anunciado pelo Ministério da Saúde, o primeiro caso foi registrado no dia 23 de janeiro deste ano.

     Em virtude da necessidade de se adquirir, de forma urgente, insumos para o combate à doença, houve algumas inovações legislativas no âmbito das licitações e contratos para que se imprimisse uma maior celeridade às aquisições emergenciais.

     No entanto, há de se ter cautela no emprego dos novos regramentos, visto que concomitantemente e após a pandemia os órgãos de controle verificarão a lisura e o correto emprego do dinheiro público nas contratações realizadas.

     Em virtude da importância e atualidade da temática, o presente artigo pretende apresentar, de forma objetiva, a questão dos novos regramentos, flexibilização e precauções que devem ser tomadas pelos gestores públicos quando da utilização dos insumos necessários para o enfrentamento dessa gravíssima situação de saúde púbica pela qual passam o Brasil e o mundo e a questão da corrupção praticada por gestores de má-fé.

Do Novo Regramento

     Em 06 de fevereiro do corrente ano foi publicada a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Essa lei é válida somente para o período da emergência e estabelece alguns dispositivos para serem aplicados, a exemplo da hipótese especial de dispensa prevista no artigo 4º.

     Ressalte-se que essa dispensa não se confunde com a prevista no artigo 24, IV da Lei 8.666/93 que trata da hipótese de emergência ou calamidade pública, visto que foi uma nova dispensa criada para a situação especificada na própria lei.

     Essa lei foi alterada, em março, pela Medida Provisória 926/2020 que acrescentou a possibilidade de a dispensa alcançar serviços de engenharia e equipamentos usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento deles, além da presunção da situação de emergência quando da contratação e da possibilidade de se elaborar Projeto Básico e Termo de Referência simplificados.

     Em relação aos contratos, a MP 926/20 estabeleceu que terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência.

     No mês de abril, a Lei 13.979/2020 foi novamente alterada pela Medida Provisória 951/2020 incluindo-se regras específicas para aplicação do sistema de registro de preços nos casos de dispensa. Essa alteração foi, no mínimo curiosa, tendo em vista as peculiaridades do SRP e da dispensa de licitação, uma vez que, no caso de dispensa, a compra é feita para entrega imediata.

     Já em 07 de maio, houve nova alteração com a edição da MP 966/2020 que, dentre outras medidas, possibilitou o pagamento antecipado, mediante garantia e previsão no edital, o aumento dos valores previstos para as dispensas dos incisos I e II do artigo 24 da Lei 8.666/93 em cem mil e cinquenta mil respectivamente e a autorização para utilização do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) da lei 12.426/2011 para todas as licitações dos três poderes, nos três níveis administrativos, até 31 de dezembro de 2020. Por fim, em 11 de agosto de 2020 a lei 14.035/2020 trouxe também alterações à lei 13.979/2020.

     Sintetizando, as alterações têm o objetivo de simplificar e proporcionar maior celeridade aos procedimentos de compras, para que o gestor público possa cumprir as demandas urgentes advindas da pandemia da covid-19.

Da Flexibilização

     Com as alterações legislativas também houve algumas flexibilizações nos regramentos das contratações a exemplo da possibilidade de se contratar empresa fornecedora que esteja declarada inidônea ou suspensa, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

     Também é possível, em situações excepcionais e devidamente justificadas, a dispensa da estimativa de preços e da apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista e demais habilitações. Também ficou dispensada a audiência pública prevista no art. 39 da Lei 8.666/1993.

     Quanto ao Pregão, presencial ou eletrônico, os prazos serão reduzidos pela metade e os eventuais recursos não terão efeito suspensivo e, por último, a possibilidade de pagamento antecipado, desde que indispensável para que se efetive a contratação e o aumento dos valores de dispensa previstos nos incisos I e II do artigo 24 da Lei 8.666/96.

Das Precauções

     Não obstante todo o aparato legislativo para o enfrentamento da pandemia posto à disposição do gestor com o objetivo de facilitar as suas aquisições, o momento requer algumas precauções de forma a se evitar problemas futuros.

     Em primeiro lugar, antes de utilizar qualquer das situações previstas na Lei 13.979/2020, mister se faz que o gestor verifique se realmente não é possível fazer a licitação para o caso concreto, visto que essa é a regra, como determinado pelo artigo 37, XXI da CF/88.

     Em segundo lugar, caso não haja tempo hábil para se fazer um procedimento licitatório tradicional, deve-se verificar a possibilidade da realização de um pregão com prazo reduzido, em virtude da viabilidade de maior transparência e competitividade, ainda que com prazo menor.

     E em terceiro lugar, caso não seja possível a licitação nos moldes acima, valer-se-á da dispensa de licitação especial do artigo quarto da Lei 13.979/2020 e suas respectivas flexibilizações.

     Porém, deve o gestor cercar-se de todos os cuidados possíveis para a contratação, a exemplo de uma boa pesquisa de preços para se resguardar de compras superfaturadas. Como é de conhecimento geral, está havendo muita oscilação de mercado a depender do produto ou serviço a ser adquirido, mas essa oscilação nem sempre é baseada em justificativas plausíveis em virtude de haver empresas que estão se aproveitando da situação para oferecer produtos e serviços a preços exorbitantes se comparados a contratos anteriores recentes, cujos valores são bem menores.

     Por isso, ainda que a Lei autorize que se compre com apenas um orçamento, essa opção só pode ser utilizada quando a obtenção de outros preços for impossível e o caso demandar urgência tal que a busca por outros preços ocasionará uma demora com consequências gravíssimas. Ademais, há no momento compras de materiais semelhantes feitas por órgãos do Brasil inteiro e em outros países, o que permite que se faça comparação de preços quando da compra do mesmo objeto. O momento é delicado e exige ainda mais que se faça economia com os recursos públicos, necessários para a preservação da saúde e da vida dos brasileiros.

     Essa observação vale também para os casos de contratações de empresas suspensas ou inidôneas e sem documentos de habilitação. Não se pode esquecer de que concomitantemente e após a calamidade pública os órgãos de controle externo fiscalizarão as contratações efetivadas e verificação caso a caso de acordo com a situação particular de cada órgão, ou seja, não adianta basear-se apenas no que a legislação autoriza, mas é preciso que se verifique no caso concreto a possibilidade de seguir a regra, que é sempre a licitação com as formalidades previstas em lei. A fiscalização também é papel dos membros de controle interno de cada órgão público.

     Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou um Guia de Recomendações e boas práticas, destinado a  todos estados e municípios brasileiros, além de órgãos federais que traz, dentre outras orientações importantes, o estabelecimento de regras pelos estados e municípios para nortearem seus processos licitatórios e de contratação, criação de um sítio eletrônico para divulgação das contratações emergenciais em até dois dias úteis após a celebração do contrato ou do empenho da despesa e, sempre que contratar com algum fornecedor suspenso, inidôneo ou com outras pendências administrativas ou judiciais, essa informação justificada deve constar, em destaque, no portal de informações das contratações emergenciais do órgão.

     Além disso, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo publicou a Nota Técnica SDG nº 155/2020 que estabelece orientações à fiscalização durante a crise da covid 19 e o Comunicado SDG nº 18/2020, que trata da transparência dos atos, receitas e despesas destinados ao enfrentamento do coronavírus, orientando que as aquisições de bens e contratações de serviços, efetuadas com dispensa ou inexigibilidade de licitação nos termos dos artigos 24, IV e 25, da Lei Federal nº 8.666/93 ou com base na Lei Federal nº 13.979/2020, devem ser divulgadas em tempo real, destacadas das demais contratações ou despesas e elenca os elementos mínimos que devem constar nessa publicação.

     Como se observa, a contratação emergencial para enfrentamento da emergência de saúde pública ocasionada pela covid-19 não pode ser feita sob a alegação de que há um regramento que a autoriza, pois essa emergência não pode ser subterfúgio para que princípios constitucionais e administrativos sejam violados. É preciso que os princípios sejam observados e que a legalidade e a moralidade nas contratações estejam sempre em primeiro lugar.

Conclusão        

     Em nenhum outro momento na história brasileira foram destinados tantos recursos para a saúde pública, não obstante já existirem os graves problemas apresentados atualmente. Esses repasses, somados ao aumento dos gastos por conta da situação atual e das legislações flexibilizando o emprego desses recursos, abrem precedentes para o afloramento da corrupção.

     Já se têm notícias de contratações suspeitas feitas por gestores mal-intencionados em alguns estados do Brasil e no mundo, que têm se aproveitado da excepcional desburocratização das normas relativas ao processo licitatório e da urgência da contratação.

     O momento requer uma postura responsável por parte de todos os gestores no emprego do já escasso recurso público. Deve-se ter em mente que todos os atos praticados, independentemente da situação, devem obedecer àquilo que a lei determina, ou seja, não há discricionariedade para se praticar um ato da forma que se convém, para benefício próprio ou de terceiros.

     Importante destacar que existem milhares de vidas que foram ceifadas por essa terrível doença e outras tantas pessoas que estão lutando para sobreviver, por isso, os recursos destinados à saúde devem ser administrados no esteio dos princípios da eficiência, eficácia, economicidade, transparência e imparcialidade  e na conscientização dos gestores de que qualquer ato que pratique deve ter um só objetivo: atender ao interesse público que, no momento, é a preservação da vida!

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Gislany Gomes Ferreira
OAB 186.553

 

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