Como funciona o “carona” em ata de registro de preços?

Carona nas licitações

     O Registro de Preços é um procedimento utilizado nas aquisições públicas, cujas modalidades em que pode ocorrer são a Concorrência e o Pregão, a depender do objeto. Nesse procedimento não há necessidade de que o órgão adquira todo o quantitativo licitado, aliás, não há obrigatoriedade de que adquira nenhum dos itens registrados. O registro formal dos preços é feito em um documento chamado de Ata de Registro de Preços (ARP).

     Atualmente, o Decreto Federal que rege a matéria é o 7.892/13, alterado em 2018 pelo Decreto 9.488/2018. Cada Município ou Estado pode ter seu regulamento próprio, mas se não tiverem, utilizam-se do Decreto federal.

     Muito se fala na possibilidade de se pegar “carona” em uma ARP. Carona é o nome popular do termo adesão à ARP. O Decreto federal, artigo 2º, V, denomina o carona como “órgão não participante”, sendo ele o “órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços” (grifei).

     Então, como funciona o carona, ou seja, como o órgão que não participou dos procedimentos iniciais da licitação pode “pegar uma carona” em uma ARP existente?

     Observe-se que no conceito acima existe uma condição para que haja o carona que é o atendimento aos requisitos do Decreto que rege a matéria, sendo eles:

     1) Justificativa da vantagem da adesão pelo órgão que pretende pegar carona (art. 22, Decreto 7.892/13). É preciso que o órgão demonstre a vantagem em fazer adesão a uma ARP existente em vez de abrir a sua própria licitação.

     2) O órgão não participante precisa fazer a solicitação ao responsável pela ata para ver se ele concorda ou não com a adesão (art. 22, § 1º do Decreto 7.892/13).

     3) O órgão solicitante da carona precisa demonstrar, mediante estudo, o ganho de eficiência, a viabilidade e a economicidade que terão se utilizarem a ata de registro de preços em vez de fazer a sua própria licitação (art. 22, § 1º-A do Decreto 7.892/13). Essa exigência é apenas para os órgãos federais. No caso dos órgãos das outras esferas, essa exigência é dispensada (art. 22, § 9-A do Decreto 7.892/13).

     4) O fornecedor que tem os preços registrados na Ata precisa concordar com a adesão e ele poderá aceitar somente se com a adesão não houver prejuízo às obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, assumidas com o órgão gerenciador e órgãos participantes (art. 22, § 2º do Decreto 7.892/13).

     5) O quantitativo solicitado pelo carona não pode ultrapassar 50% dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços. Então, se por exemplo há o registro de 100 notebooks, o carona pode solicitar até 50 notebooks (50% de 100) (art. 22, § 3º do Decreto 7.892/13).

     6) O quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem (art. 22, § 4º do Decreto 7.892/13).

     A exemplo desse requisito 06, no caso dos 100 notebooks registrados, cada carona pode adquirir até 50 notebooks (50% do total), mas o conjunto dos caronas só pode adquirir até 200 computadores (o dobro de 100). Consideramos que o órgão 01 adquira 30 notebooks, o órgão 02, 40 notebooks, o órgão 03, 50 notebooks, o órgão 04, 50 notebooks, havendo um total para o conjunto de caronas (órgãos 1, 2, 3 e 4) de 170 notebooks solicitados e, depois disso, um quinto órgão (órgão 05) solicita a adesão e requer 50 notebooks. Teríamos como total, então, 220 notebooks. Nesse caso, não há possibilidade de aceitação da solicitação da quantidade de 50, pois, conforme o requisito 06, o máximo para o conjunto é 200 notebooks (o dobro de 100). No caso, então, seria possível deferir apenas a quantidade de 30 notebooks e não aceitar a adesão de nenhum outro órgão mais, tendo em vista que a quantidade de caronas autorizadas pelo Decreto já estaria no limite (o dobro da quantidade registrada).

     Os limites descritos nos itens 05 e 06 advieram de alteração imposta pelo Decreto 9.488/2018, em virtude do Acórdão do TCU 1487/2007 – Plenário, que determinou ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que revisse os limites anteriormente estabelecidos. Antes, o limite era a aquisição individual, por carona, de até 100% do quantitativo registrado na ata e até cinco vezes esse quantitativo para o grupo de caronas.

     7) O carona deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata. Como mencionado, a Administração não é obrigada a solicitar o quantitativo registrado na Ata, mas quando existe a adesão do não participante, existe a obrigação de se fazer a aquisição em até 90 dias (art. 22, § 6º do Decreto 7.892/13).

     8) O carona fica responsável pelo acompanhamento de seu contrato e, se necessário, observado o contraditório e a ampla defesa, aplicar ao contratado penalidades pelo descumprimento do contrato e deve informar essa situação ao órgão gerenciador da Ata (art. 22, § 7º do Decreto 7.892/13).

     9) Por último, o Decreto proíbe que os órgãos federais façam adesão à Ata de registro de preços de outros órgãos, mas autoriza que os órgãos estaduais, municipais ou distritais façam adesão à Ata de um órgão federal (art. 22, §§ 8º e 9º do Decreto 7.892/13). Além da necessidade de que a aceitação da adesão esteja prevista no edital de licitação.

     Uma questão que sempre suscita dúvidas é a possibilidade de órgãos estaduais e municipais aderirem às atas uns dos outros ou de um município aderir à ata de outro município ou de um estado aderir à ata de outro estado, a chamada adesão horizontal.

     Apesar de existir divergências de entendimento, fico com o entendimento de que isso é possível, pois o Decreto 7.892/2013, no artigo 22, faculta a adesão dos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais à ata de registro de preços da Administração Pública Federal (adesão vertical), sem, contudo, proibir que haja a adesão entre esses órgãos (adesão horizontal). Além disso, proíbe apenas a Administração Pública Federal de efetuar a adesão à ata de órgãos estaduais, municipais ou distritais. Para melhor resolver a questão, cada município e cada estado deveria editar o seu regulamento próprio, estabelecendo as suas regras, a exemplo do Decreto n° 45.375/2007 do Estado do Rio Grande do Sul.

     Outra questão é em relação ao período máximo em que pode ocorrer a adesão a uma ARP. O artigo 22, § 6º do Decreto 7.892/13 menciona que o carona deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata. Da leitura desse parágrafo, verifica-se que a adesão deve ocorrer enquanto a ata ainda estiver vigente e a contratação do(s) item (itens) da ARP deve ocorrer também enquanto ela ainda estiver vigente. Ressalte-se, que no caso em que um contrato é elaborado (pois a aquisição pode ser formalizada mediante outros instrumentos, como por exemplo a nota de empenho), ainda que a ata perca a sua vigência, se o contrato foi celebrado durante a sua vigência ele poderá ter vigência posterior, de acordo com as regras do artigo 57 da Lei 8.666/93 (art. 12, § 2º do Decreto 7.892/13). Então, é possível haver um contrato vigente, cuja ARP da qual ele adveio já perdeu a sua validade.

     Diante do exposto, percebe-se que fazer adesão (pegar carona) em uma Ata de registro de preços gerenciada por um outro órgão não é tão simples como parece. Pensa-se que basta o órgão verificar onde tem uma Ata vigente e fazer a adesão, porém como se verificou neste artigo, existem requisitos que devem ser seguidos, sob pena de a adesão ser julgada irregular e haver penalização dos responsáveis tanto por parte de quem solicitou a adesão quanto do órgão que a autorizou sem verificar a presença dos requisitos autorizadores.

     Inclusive, no Estado de São Paulo, essa prática não é bem aceita pelo Tribunal de Contas, que possui diversos julgados nesse sentido e a Súmula 33 que menciona: “no sistema de registro de preços, é vedada a adesão à ata por órgão ou entidade que não participou da licitação (“carona”), excetuadas as hipóteses admitidas em lei federal”.

     Porém, é um excelente mecanismo para os órgãos públicos que conseguem várias vantagens quando aderem à ARP, a exemplos de ganho de tempo e economia. Lembrando, é claro, que não pode deixar de observar os requisitos que o Decreto 7.892/13 impõe.

     Já conhece nossa plataforma? Clique aqui e faça um teste por 10 dias sem compromisso.

Gislany Gomes Ferreira
OAB 186.553

Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Categorias

Categorias

Receba nosso conteúdo exclusivo por e-mail

Acompanhe nossas últimas atualizações